ENTREVISTA

15-mar.2019

Carlos Rodrigues é Cocoordenador do Workpackage 2: Modelos de Inovação Territorial liderados pela Comunidade do Programa “CeNTER – Redes e Comunidades para a Inovação Territorial”.

Doutorado em Ciências Sociais, Carlos Rodrigues é Professor e Diretor do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território na Universidade de Aveiro (UA) e membro da direção do GOVCOPP – Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas. É ainda coordenador do Centro de Estudos Asiáticos e do Mestrado em Estudos Chineses.

Enquanto investigador tem vindo a trabalhar sobretudo nas áreas dos sistemas territoriais de inovação e das relações entre o Ensino Superior e o desenvolvimento regional. Participou em vários projetos nacionais e internacionais nestas áreas e é atualmente o coordenador local do projeto RUNIN – The Role of Universities in Innovation and Regional Development (Horizon 2020, Marie Curie Innovative Training Networks), que que terminará em 2020.

Teve a possibilidade de seguir uma carreira profissional no futebol, mas a colocação no Ensino Superior determinou o quase fim desta promissora carreira. Os estudos de Engenharia Civil, na Universidade de Coimbra, ficaram por terminar com o início de um novo percurso, na área do fotojornalismo, que culminou na direção de comunicação do Porto de Leixões. Em 1990, regressou à academia e fez a licenciatura em Planeamento Regional e Urbano, já na Universidade de Aveiro. Nessa altura foi convidado, por pessoas que hoje são suas colegas, para entrar num projeto de investigação na área da inovação. Com este percurso Carlos Rodrigues considera-se “um felizardo”.

Como se envolveu no Programa CeNTER?

Estou envolvido desde o desenho do Programa. Convidaram-me para fazer parte da equipa porque trabalho a questão da inovação, nomeadamente a inovação de base territorial, desde 1995, quando comecei a trabalhar na Universidade de Aveiro (UA). Naquela altura integrei um grupo de investigação que estava a trabalhar num projeto Europeu chamado UNITTS – Universities, Technology Transfer and Spin-off Activities, em parceria com outras universidades europeias. A inovação foi, desde o início, o tema no centro da minha atividade de investigação, nomeadamente os sistemas territoriais de inovação. Continuou a sê-lo ao longo destes mais de 20 anos e foi por essa razão que me convidaram para a equipa do CeNTER.

E qual o balanço que faz, em termos pessoais?

Um balanço positivo. A perspetiva com que eu sempre trabalhei a inovação vai para lá do que é a abordagem do CeNTER, que é muito baseado no papel da comunidade e de um tipo de inovação bottom-up. O que eu faço é trabalhar o sistema onde também há dinâmicas do tipo community-led, mas com o foco no sistema em si, sem olhar para o papel da comunidade e dos processos bottom-up. O CeNTER permitiu-me contactar com um outro quadro conceptual, quer em termos de teoria, quer em termos de prática. Esse é o principal benefício que eu retiro deste projeto. É permitir, de facto, a entrada num campo, não diria “diferente” daquele que eu trabalho, mas que é um acréscimo ao campo da Ciência e Tecnologia e das Políticas Públicas. Não é que não estejam presentes no CeNTER, mas o foco aqui é claramente outro.

Que momentos destaca como mais relevantes desde o início do projeto, em abril de 2017?

O primeiro Seminário do Programa CeNTER, que juntou agentes da região, será um momento relevante do projeto. Mas houve outros momentos, de carácter informal, nomeadamente, o facto de termos juntado na equipa do CeNTER pessoas com perspetivas completamente diferentes sobre o que é que “inovação” ou “comunidades”. É uma das grandes vantagens de ter uma equipa interdisciplinar. Também há desafios associados, como é lógico, mas estes momentos têm grande relevância. Pode parecer uma perspetiva um pouco egoísta, mas para mim é muito interessante perceber que há pessoas que têm um quadro mental e conceptual completamente diferente. Por vezes, nós estamos fechados e ficamos muito espantados com uma noção que é de conhecimento tácito, que para nós é uma coisa e para outros será outra. Estes detalhes da interação entre investigadores com perfis disciplinares diferentes pode ser considerado como um dos momentos. Espero que se possa refletir depois em termos de produção cientifica.

Considerando a sua área científica e o trabalho que tem vindo a desenvolver, qual é o principal contributo que o Programa CeNTER oferece à região Centro?

Em termos de investigação, uma das grandes vantagens deste projeto é a oportunidade de assumir uma perspetiva crítica sobre um discurso que eu chamaria “ingénuo” em relação ao papel das comunidades na inovação. O que existe é um discurso muito naif, que me parece ser contraproducente, sobre o potencial de inovação que existe nas comunidades, e que este projeto pode contrariar. Não estou a dizer que o potencial não exista, mas a forma como está a ser tratado é algo que, confesso, não me merece grande consideração.

Quando falo de um discurso naif não estou a falar do tipo de inovação. Aliás, nós temos a experiência dos estudos de caso do CeNTER, em que há, de facto, atividades que podem ser consideradas como inovação e foram claramente despoletadas por contexto comunitário. Só que há muito a ideia – e é a ideia que é naif – de que estamos num mundo em que as comunidades têm de se organizar em micro-organismos, cada um dos quais promovendo inovações, e que isso vai transformar por completo a nossa sociedade. Isto é uma visão naif das coisas. Não funciona assim; é preciso uma intervenção forte do Estado, e que as comunidades – chamemos-lhe assim –  sejam objeto de políticas públicas. Estou a pensar em coisas tão simples e tão complexas ao mesmo tempo como a qualidade de vida; por exemplo, há comunidades que não têm água potável. No contexto urbano, temos movimentos cívicos, com a sua importância, mas acreditar que estes conseguem, só por si, transformar a nossa sociedade é algo que, do ponto de vista científico, acho muito frágil. O mesmo relativamente à capacidade de transformar o mundo através da inovação com base numa comunidade. É isto que quero dizer com naif. É por isso que o CeNTER é útil; porque pode-nos indicar formas de diminuir este grau de ingenuidade.

Quais os principais desafios enquanto coordenador/investigador do Programa CeNTER?

Tenho alguma dificuldade em responder porque o meu grande desafio é conseguir o tempo suficiente para me dedicar da forma que gostaria ao trabalho de cocoordenação do WP2. É um dos grandes problemas que eu tenho relativamente ao CeNTER e relativamente a tudo. Tenho esse defeito; não consigo dizer que não a coisas que me interessam minimamente e isso cria alguns problemas internos de gestão de tempo. Portanto, o meu grande desafio não tem a ver com questões de entendimento entre diferentes disciplinas, questões entre pessoas, entre grupos; tem essencialmente a ver com gestão de tempo.

Quais são as suas expectativas a curto, médio e longo prazo, nomeadamente sobre os resultados a serem alcançados com o Programa CeNTER?

Para além da produção científica, produzir coisas que sejam úteis às próprias comunidades e aos decisores políticos; ou seja, os produtos que se esperam num projeto deste tipo. Uma das minhas expectativas tem a ver com aquilo que disse anteriormente sobre desmistificar o papel das comunidades na inovação. Acho que as pessoas sentem de forma cada vez mais intensa que há necessidade de aprofundar e consolidar o discurso em torno deste tipo de iniciativas, porque senão caímos apenas num discurso de senso comum.

Ambições a 1 e 10 anos.

Quando chegamos a uma certa idade falar de ambições é uma coisa muito estranha, e ambições não sei se terei. Mas daqui a 10 anos – e é claro que há muitas condicionantes – não me estou a ver a fazer outra coisa. Não sei se com a mesma intensidade, pois não sei se aguentarei muito mais tempo com este ritmo, mas outra coisa não me parece que queira fazer. Não é uma coisa que me cause grande preocupação.

Como é a sua vida para lá da investigação?

O meu grande hobby é a música, tenho um estúdio em casa. Vim trabalhar para a academia em 1995 e a única coisa que me faria sair era se me convidassem para ir tocar para uma banda [risos]. Já toquei há muitos anos; agora, só por brincadeira, juntamo-nos e fazemos aquilo que designo como “reunion”. Mas é só para nos divertirmos um bocadinho.

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