ENTREVISTA

22-fev.2019

Filipe Teles é Coordenador e Investigador Principal do Programa “CeNTER – Redes e Comunidades para a Inovação Territorial” e Coordenador do Workpackage 2: Modelos de Inovação Territorial liderados pela Comunidade.

Doutorado em Ciência Política, Filipe Teles é Professor do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território e está como Pró-Reitor da Universidade de Aveiro.

Enquanto investigador tem vindo a trabalhar sobretudo nas áreas ligadas à governação local, desenvolvimento regional, coesão territorial e reformas administrativas. Neste âmbito, destaca-se a participação em vários projetos nacionais e internacionais dedicados à governação territorial descentralizada e à relação entre a sociedade civil e a administração local em vários países europeus, ou às soluções baseadas na natureza em contexto urbano e à pegada ecológica dos municípios portugueses.

Neste momento, e depois de uma fase de investigação muito orientada para a cooperação intermunicipal, encontra-se ligado a outros temas como a capacitação institucional, redes de governação, sustentabilidade urbana e a política de cidades.

Filipe Teles tem vindo a desempenhar funções de destaque em associações profissionais nacionais e internacionais, integrando o Board da European Urban Research Association (EURA) e o Steering Comittee do grupo sobre governação local e políticas locais da European Consortium for Political Research (ECPR). É ainda Coordenador da seção especializada de governo local da Associação Portuguesa de Ciência Política (APCP).

Como se envolveu no Programa CeNTER?

O CeNTER tem uma história interessante. Quando as três universidades da Região Centro foram desafiadas a apresentar candidaturas a um programa regional de financiamento para capacitação institucional, em matéria de inovação e desenvolvimento, a Universidade de Aveiro (UA) reuniu um conjunto de investigadores nas mais diversas áreas onde considerava existir possibilidade de vir a ter financiamento.

Este exercício incluiu, de início, as áreas mais óbvias, ligadas às Tecnologias e às Ciências Naturais, com propostas na Biomedicina, Engenharia dos Materiais, Electrónica, etc. nas quais se reconhecia potencial de vir a construir candidaturas regionais ganhadoras. Mas, numa estratégia mais arrojada pensou-se, na Reitoria, que poderia ser interessante tentar capacitar as Ciências Sociais na UA e, por isso, estruturar um projeto nessa área. E quando se procurou reunir um conjunto de pessoas para pensar o que poderia ser esse projeto, reconheceu-se que uma das áreas de maior convergência e bem articulada com a Região seria a das Políticas Públicas.

A partir do momento em que se elegem as Políticas Públicas, o desenvolvimento regional, e o respetivo impacto, começámos a conjugar fatores, Unidades de Investigação, competências, investigadores, entre os quais nem sempre havia experiência de colaboração, mas que, somados, poderiam vir a materializar as condições necessárias para a criação de uma candidatura vencedora. E foi o que aconteceu; de forma diferente do que é comum aos projetos de investigação, que surgem normalmente da iniciativa dos investigadores. Este, em particular, surge como uma aposta estratégica da UA. 

Como se desenvolveu o Programa considerando os pressupostos iniciais com que foi desenhado?

Como o Programa tem como objetivo principal capacitar as instituições de mais recursos e mais competências numa determinada área científica, acaba por não se limitar ao projeto que foi apresentado. Ou seja, não tem o mesmo tipo de compromisso que um projeto de investigação comum, em que há um conjunto de resultados a apresentar e objetivos a cumprir. Ainda que tenha essa dimensão de projeto, há um grau de liberdade maior. Com isso, encontra-se muito sujeito aos recursos que estão disponíveis, ao perfil das pessoas que se juntaram ao projeto, aos interesses que vão sendo desenvolvidos nestas equipas multidisciplinares, aos próprios desafios que a Região vai lançando e, portanto, não fugindo muito ao que  estava desenhado, houve alguma margem de ajuste e de adaptação. Mas julgo que a maior parte dos resultados que foram contratados são os resultados que o projeto irá entregar.

E qual o balanço que faz?

Estamos a meio do Programa e, por isso, o balanço que é possível fazer nesta fase é o das pessoas envolvidas, do cumprimento de resultados e de muita expectativa em relação ao que vem aí.

Estou muito satisfeito com a diversidade da equipa, que era um dos objetivos. Temos pessoas das áreas mais diferentes possíveis, quer do ponto de vista do domínio científico quer dos interesses e isso é particularmente importante para o Programa e para a Universidade. Fico também muito satisfeito por ver que algumas das pessoas que iniciaram o seu percurso com o CeNTER na UA estão a encontrar fatores de progressão na sua carreira profissional, de investigação, de docência ou de envolvimento em outros projetos. E isto é muito importante, porque faz parte do espírito do próprio Programa.

Em termos de resultados, mensuráveis e que são contratados para o projeto com a entidade financiadora, estamos a cumprir e a ultrapassar aquilo a que nos propusemos. Estamos numa fase intermédia do Programa o que, à semelhança do que acontece noutros projetos, pode significar uma desaceleração nos resultados se compararmos com o arranque inicial em que existe capacidade de produção, o que exige particular atenção. No CeNTER, como neste momento estamos no terreno, a desenvolver os estudos de casos, esta fase é necessária para depois regressarmos ao ritmo necessário para o cumprimento dos nossos objetivos.

Que momentos destaca como mais relevantes desde o início do projeto, em abril de 2017?

Há momentos internos e externos que são importantes de destacar. Começaria pelos momentos internos, com algumas reuniões gerais da fase mais inicial do programa, já com a equipa de investigação completa. Foram extremamente importantes para clarificar a orientação do projeto e consensualizar a abordagem por via dos estudos de caso. Se até esse momento existia uma perspetiva ainda exploratória, assente em revisões de literatura, foi depois dessas sessões que foi possível avançar para um trabalho de maior detalhe no research design.

Na perspetiva da visibilidade externa destacaria o primeiro Seminário que organizámos, que nos permitiu conhecer alguns casos, marcar a nossa agenda e alargar o Programa a outras pessoas. E foi um momento de afirmação enquanto projeto que está a pensar e a refletir sobre a inovação territorial ao nível regional. Mais recentemente, a participação no Research Summit da UA foi também uma oportunidade de mostrar o trabalho que estamos a desenvolver. A isto somaria todos os momentos de apresentação pública do Programa, através de comunicações, participação em conferências, eventos, etc. Fico particularmente agradado de publicar ou de ver publicado trabalho que surge no âmbito do Programa CeNTER nas mais diversas revistas internacionais e em áreas que não seriam tão próximas, mas que, somando, reforçam esta ideia de que existe uma riqueza grande que não podemos perder.

Considerando a sua área científica e o trabalho que tem vindo a desenvolver, qual é o principal contributo que o Programa CeNTER oferece à região Centro?

Há um conjunto de resultados de política pública, de estratégia e outros mais instrumentais que são interessantes.

Um dos contributos decorre essencialmente dos estudos de caso e da forma como estamos a modelar aquilo que entendemos por inovação de “base territorial” e de “base comunitária”. Há uma crença de que grandes projetos que agregam pessoas e criam redes, muitas vezes baseadas na transferência de conhecimento, numa proximidade aos territórios e assentes numa forte coesão entre atores (o capital social), terão resultados e impacto positivos, nomeadamente na economia, no emprego, no bem-estar, na satisfação das pessoas, etc. O CeNTER pode, por um lado, ajudar a sublinhar alguns aspetos desta crença, mas também pode vir a desmistificar outros. Trata-se de clarificar estes pressupostos de que tudo resultará por via de redes ou por via de incentivos que estimulem as economias e as iniciativas de base territorial. Não sabendo quais serão as conclusões, julgo que para as Políticas Públicas, e considerando a aposta naquilo que tem sido uma espécie de ritual das políticas de desenvolvimento territorial na Europa, os resultados do Programa podem ajudar e oferecer um contributo importante.

Da mesma forma, pode trazer um contributo relevante porque estamos a falar de uma região designada “lagging region” (região em desenvolvimento). Isto representa vários desafios e é uma discussão que estamos a ter também no Programa, ou seja, de que forma os modelos que são normalmente desenhados em termos de política pública de âmbito territorial se coadunam com este tipo de território? Ou serão mais adequados a outras geografias europeias, que não a de “lagging region”?.

A um nível macro, procuramos questionar as próprias políticas europeias nestas áreas. Quando em todas as regiões da Europa, independentemente da fase de desenvolvimento ou de convergência em que se encontram, aquelas assentam num pressuposto de inovação, de desenvolvimento territorial –  que viemos a designar de Estratégia de Especialização Inteligente – e isso passou a ser uma espécie de condição de sucesso, o principal contributo que o Programa pode dar é também de validar, ou não, de trazer valor, informação, qualificação dessa aposta estratégica europeia.

Portanto há respostas ao nível da região, ao nível das políticas públicas de desenvolvimento regional e ao nível das estratégias europeias.

Mas para além de contributos sobre a política pública há também outputs instrumentais, de mediação e de valorização. Como no Programa procuramos também intervir sobre o processo, e não só na sua avaliação e validação, quer os instrumentos de medida e de avaliação de impacto de estratégias de inovação de base territorial, quer os instrumentos de mediação (com base nas tecnologias e na mediação digital) podem vir a demonstrar-se como úteis para valorizar esta estratégia de desenvolvimento.

É nessa perspetiva mais instrumental que se enquadram quer a Plataforma Digital quer o Observatório?

Sim. O Observatório é um resultado previsto mas, neste momento, já não é um objetivo apenas do Programa. Vai depender de uma convergência de interesses entre o Governo português, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, o Programa CeNTER e uma rede, que já se encontra estabelecida, com as instituições de ensino superior da região Centro. Ainda está condicionado à definição do modelo de gestão desta rede, mas que certamente vai permitir ser um resultado concretizável do CeNTER, que estava originalmente inscrito como meta pós-projeto, mas que pode vir a acontecer mais cedo.

Quais os principais desafios enquanto Coordenador do Programa CeNTER?

O primeiro é uma preocupação mais de gestão do processo, dos ritmos, dos resultados e da motivação para que eles aconteçam. É garantir que o trabalho que estamos a desenvolver neste momento vem alimentar o último ano do projeto com resultados, quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista das políticas públicas. Pois espero que possam vir a gerar evidências e grande reflexão científica e contributos no último ano.

Depois, há uma questão de gestão interna do próprio Programa, que decorre da competência de coordenação do projeto e não tanto de coordenação científica, que é o grande desafio que enfrentamos todos desde o início do projeto que é o do diálogo entre áreas científicas, metodologias, práticas de investigação e de relação diferentes – necessariamente diferentes. Estamos a falar de áreas que apesar de pertencerem ao mesmo domínio das Ciências Sociais não têm muito histórico de comunicação entre si. E se este tem sido um desafio ao longo do projeto pode, ao mesmo tempo, ser um dos grandes méritos do Programa CeNTER.

Pela natureza dos próprios processos de investigação, a isto acresce ainda a saída e a chegada de pessoas, trazendo reformulações ao projeto. Temos recentemente aprovada uma reprogramação, que vai implicar a entrada de novos investigadores e, como tal, todas estas reformas, a meio do processo, obrigam a uma gestão destes recursos de forma mais cuidada.

Por último, uma preocupação e desafio para os próximos tempos que é, sendo capazes de resolver os desafios anteriores, conseguirmos criar, quer na UA, quer no exterior, a consciência de que a aposta nesta área interdisciplinar é determinante. Se formos capazes de demonstrar a importância do Programa – aquilo que trouxe para a UA em termos de competências, aquilo que traz para a região em termos de projetos, iniciativas e conhecimento – então estou certo de que esta área continuará a subsistir e a ser reforçada na UA, mantendo esta lógica interdisciplinar.

O reforço da colaboração interdisciplinar é uma das principais expectativas que existem sobre o CeNTER?

Sim, por várias razões. Não tenho dúvidas de que esta é uma agenda importante em termos de política pública e de que cada vez temos mais destas competências na UA. Se o Programa for capaz de abraçar estes desafios pode criar condições para que a área continue em desenvolvimento dentro da Universidade, sempre numa lógica de cruzamento entre disciplinas. Porque se estudássemos estas questões da forma tradicional já outros departamentos e Unidades de Investigação o faziam, mas a motivação nunca foi ter vários departamentos a trabalhar por si. Pelo contrário, a grande virtude e força do Programa, e que pode vir a reforçar esta área alargada dentro da UA, é precisamente esse cruzamento.

O que há para lá do CeNTER, quer em termos profissionais quer em termos pessoais?

Existem os vários projetos em que estou envolvido e que me ocupam muito tempo. E paralelamente a estes há um conjunto de publicações e livros previstos, em que estou a trabalhar, alguns estritamente académicos outros de cariz mais ensaístico, em temas diversos ligados à descentralização, ao papel do poder local, à relação entre o Estado e a sociedade, ao nível local, na Europa.

Estou na equipa reitoral como Pró-Reitor para a cooperação interinstitucional nos domínios do desenvolvimento regional e da política de cidades, o que representa muito trabalho para além do CeNTER. Neste âmbito, há uma relação muito importante com a região de Aveiro, com a Região Centro, e também com algumas políticas nacionais nessa área, com a estratégia europeia para a terceira missão das universidades e estou também envolvido no Consórcio Europeu de Universidades Inovadoras.

Mantenho, para os próximos dois anos, a ligação a associações profissionais desta área, no Board da European Urban Research Association (EURA) e no Steering Comittee do grupo sobre governação local e políticas locais da European Consortium for Political Research (ECPR), nas quais tenho também responsabilidades de coordenação de estratégias europeias de investigação. Recentemente constituímos, na Associação Portuguesa de Ciência Política, uma seção especializada de governo local, que coordeno e que me ocupará também o próximo ano.

Sobra muito pouco tempo para outras coisas; mas gosto de ler, muito e sobre os mais diversos assuntos. Quem gosta de política local tem de treinar o olhar sobre as cidades e sobre os territórios e, por isso, gosto de ver como se expressam as culturas urbanas hoje, seja através da arte urbana, do graffiti ou outras formas de expressão. Como tenho de viajar muito, isso ajuda-me também a conhecer outras realidades e contextos.

Ambição a 1 ano

Estar a fazer o que estou a fazer hoje.

Ambição a 10 anos

Nunca planeei as coisas dessa forma, nem em relação aos projetos em que estou envolvido nem em termos de carreira, mas não estarei envolvido necessariamente no mesmo tipo de projetos ou desafios. Eu comecei por trabalhar estas questões de governação sub-nacional a partir das lideranças políticas e agora estou a trabalhá-las na perspetiva das redes de governação. Há um fator de continuidade que tem a ver com o território que observo e talvez continue a trabalhar sobre estas áreas, sobre este objeto, mas talvez com outra perspetiva. Estou convencido de que terá, pelo menos, duas características: uma maior riqueza do ponto de vista disciplinar – até pela aprendizagem de colaborar com pessoas de outras áreas científicas – e talvez também com enfoque sobre a política de cidades – quer do ponto de vista científico, quer na perspetiva da governação da UA.

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